terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Trecho

"Quem foi, perguntou o Celo
Que me desobedeceu?
Quem foi que entrou no meu reino
E em meu ouro remexeu?
Quem foi que pulou meu muro
E minhas rosas colheu?
Quem foi, perguntou o Celo
E a Flauta falou: Fui eu.

Mas quem foi, a Flauta disse
Que no meu quarto surgiu?
Quem foi que me deu um beijo
E em minha cama dormiu?
Quem foi que me fez perdida
E que me desiludiu?
Quem foi, perguntou a Flauta
E o velho Celo sorriu"


Vinícius de Moraes

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Janis Joplin por ela mesma



“A coisa que aprendi sobre ser artista é que aqueles momentos no palco são tudo.

O resto é uma merda, as pessoas sempre tentando arrancar alguma coisa da gente, tentando convencer, você querendo dormir e o sono não vem, às duas da manhã os bares estão fechados e é tudo uma merda. Os músicos que conheço tocam por amor à sua música mesmo, nenhum dinheiro vale o preço que se paga.

Quando comecei a cantar, eu não estava interessada assim em ser uma cantora. Só queria tomar drogas, fumar, comer e beber drogas, e qualquer coisa que pintasse eu queria experimentar. Tive alguns problemas sérios com drogas pesadas, e acabei voltando ao Texas, de onde tinha saído, para tentar juntar os pedaços de mim mesma. Mas não deu para agüentar aquilo lá, e ao mesmo tempo eu tinha medo de voltar para cá e “entrar bem” outra vez. Fiquei lá um ano, desta vez, e não “trepei” uma única vez. Mas com quem se pode “trepar” em Port Arthur? Estava morrendo de tédio, tentando freqüentar a Universidade porque minha mãe queria, e um belo dia um antigo namorado meu apareceu... Já fazia muito tempo, eu tinha voltado à minha cidade e lá estava eu. E aí pintou esse cara e simplesmente me pegou e me jogou na cama, e oh, “bicho” , “trepamos” a noite inteira, e eu adorei. De manhã ele me mandou fazer as malas e disse que íamos para a Califórnia, para cantar rock. Eu fui, e logo entendi que tinha sido convencida a me envolver com rock (até aí eu cantava blues), porque o cara era tão bom de cama. Em São Francisco o rock estava estourando, e ninguém nunca tinha ouvido falar de mim. Eu era apenas mais uma garota das ruas, que só tinha para vestir o que usava para ir à Universidade. Não sabia cantar rock, nunca tinha cantado com instrumentos elétricos nem com bateria: só sabia cantar blues e folk com uma única guitarra. Estava apavorada e morria de medo. Um dia me disseram que subisse ao palco e cantasse, eu fui, e oh bicho, que sensação. Tudo de que me lembro é a sensação. Tudo de que me lembro é a sensação – foi maravilhoso! E eu cantei direito, a platéia começou a dançar, e lá estava eu, com o microfone na mão, comandando a coisa. Quando acabou, eu disse para o pessoal do conjunto que ia ficar com eles. Não me lembro de muita coisa dessa época, só que trabalhamos muito, passamos fome e pedi algum dinheiro a meus pais.

E agora dizem que eu sou uma estrela, e lá dentro sei muito bem que não sou estrela coisa nenhuma, eu me conheço, vivi sempre comigo. Essa moça eu “manjo” – ela se sente sozinha, tem uma coisa que ela sabe fazer bem. Depois de um show, minha roupa está rasgada,meus sapatos cambaios, suada, o cabelo todo despenteado e molhado de suor, o rosto brilhando, um desastre completo. E tudo o que eu quero nessa hora, é ir para casa, tirar a porcaria da roupa e tomar um banho – e alguém assim não é estrela coisa nenhuma. Sei que tive muita sorte. Sei disso porque já estive por baixo, já passei fome e estive doente, já “trepei”com muita gente para conseguir uma cama para dormir. Por isso não me venha com essa história de estrela. Eu dei foi sorte.”